sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A cidade que dorme

Restaurante de comida Etiópia na famosa Long Street

Cape Town é uma cidade que respeita o descanso. Quando é hora de fechar as portas, elas fecham. Talvez pelo hábito ainda do toque de recolher que existia no Apartheid, o comércio encerra o expediente às 17 horas. Durante a madrugada, é raro o bar que excede às 2 horas da manhã. A cidade tem uma organização peculiar. Às vezes me parece um tanto quanto caótica, mas segue alguma lógica comum apenas entre os locais. Para turista, um mês de adaptação é pouco para entender o funcionamento da cidade. É o bondinho da Table Mountain que tem promoção na sexta feira para estudante, mas eventualmente não funciona por causa do vento forte. Ou mesmo aquela depois das 18 horas: ticket pela metade do preço, mas não está escrito em lugar nenhum e você só descobre casualmente depois que já comprou os dois trechos do Cable Car(1) pelo dobro do preço. Garçom por aqui sabe fazer conta melhor do que muito matemático. Quando solicitado, ajuda com competência qualquer jornalista a dividir a conta. Se der na cuca do manager, hoje simplesmente não funciona. Resolveu viajar com a família e deu folga aos funcionários.Taxista é um negócio curioso. Não conhecem bem a cidade. É comum eles se perderem. Ande sempre com um mapa e, se possível, explique o caminho do seu destino. Cada empresa tem sua tabela. O mesmo trecho pode variar em até ZAR 70 (2). Enquanto você não conhece o trecho, deixe o taxímetro rolar para se ter base de negociação da próxima vez. Aliás, certifique-se que a empresa que você escolheu utiliza taxímetro porque algumas têm uma tabela aí muito doida com uma base de cálculo estratosférica com logarítimo e raiz quadrada não sei da onde. Se cair nessa, é melhor não tentar entender, pague.


É comum ver um gringo desavisado, apreciador de cerveja, tendo problemas com a polícia. Aqui é proibido o consumo de bebida alcoólica na rua. Nos supermercados, somente os bons vinhos africanos (booooons mesmo). O agito da cidade é comedido, mas há. Não conheço ninguém que leve daqui desgosto. Aos brasileiros (ou mesmo os italianos) mais ávidos por uma vida urbana ativa, sugiro exercitar a paciência. Um pôr do sol na praia de Clifton pode ser suficiente para se entender o ritmo da cidade. Pode ser do Lions Head também, depois da escalada não muito suada até o topo da montanha. Do lado de cá do Oceano Atlântico, se pode ver o mar apagar o sol todos os dias, somente às 20 horas da noite. Não é raro golfinhos e focas embelezarem o final de tarde.

A fuleragem é bem parecida

A língua inglesa aqui está bem distante daquela coisa fria de britânico, embora tenha sido eles a colonizarem estas terras depois de brigarem bastante com os holandeses. Dizer que é brasileiro soa bem por aqui. Sinto uma certa identificação entre os povos. Acho que dividimos algumas coisas como a violência, a pobreza, o bom humor das pessoas, a receptividade, a alegria. A fuleragem (como se diz no meu Ceará). A fuleragem é bem parecida. O povo aqui fala alto que nem a gente, ri do tombo alheio e convida pra tomar um café em casa no dia seguinte que o encontrou.

Outro dia minha amiga Thereza e eu conhecemos uma mulher incrível no churrasco do colombiano que divide casa com um alemão e uma sulafricana em Observatory (3). Aliás, duas. Uma era do Quênia, com quem conseguimos conversar horas e horas sobre nossa visão de África, a mobilidade dos africanos entre os países desse continente e as facilidades de adaptação meio as diferenças culturais de cada povo (isso em inglês não foi fácil). A outra, parecia uma “enviada”. Quando Thereza e eu entalávamos e não conseguíamos explicar determinada idéia, devido aos impasses da língua, ela conseguia sabiamente desengasgar nosso inglês de aprendiz. Detalhe: Sharon não entende nada de português, sua língua mãe é o Xhosa, fala inglês e entende de expressão humana como ninguém. Transita tanto que aprendeu a ler a mente através o corpo. Minha amiga Thereza acha que pode ser carma, coisa de outra vida. Eu não sei. Prefiro acreditar que são surpresas da convivência com uma cultura vasta que, em 45 dias, não conseguirá mostrar o tamanho da sua diversidade para uma gringa qualquer. Mas continuará dando dicas, dia após dia.

Buraco da Fechadura

1 – Cable Car é como eles chamam o bondinho. Em nossa primeira tentativa de pagar menos para fazer o tal do passeio cartão postal de Cape Town, Thereza e eu rachamos o um taxi e fomos feliz da vida até o pé da montanha, onde fica a estação do bondinho. Demos com os burros n´água. Algumas pessoas já havia nos dito que às vezes o bondinho não funcionava devido aos ventos fortes típicos de Cape Town. Como aquela sexta feira nos parecia calma e de ventos brandos, arriscamos. Chegamos lá às 15h30 e encontramos uma porção de funcionários alegres e satisfeitos indo embora mais cedo pra casa. Tem coisa melhor do que sexta feira o expediente acabar mais cedo? “Desculpem, mas a partir de agora só desce. Não queremos colocar a vida de ninguém em risco”. Resultado: não tem nada que convença minha amiga do contrário de que toda sexta feira aparece um vento forte e o Cable Car não funciona. Mas que coisa, não? Justo na sexta feira e logo no dia da promoção para estudante? Voltamos no domingo e pagamos ZAR 160, ida e volta. Quando estávamos no topo, encontramos um colega que mora aqui e ele deu a dica: “espera passar das seis que vocês compram o bilhete de volta pela metade do preço”. Pronto! Foi a última coisa que eu precisava ouvir. Final das contas: fiz o passeio maravilhoso, mas paguei o maior valor possível. Fazer o que...


2 – A moeda da África do Sul é o Rand (ZAR). A cotação fica em média R$1 para cada ZAR 3,5. As coisas aqui não são caras quando se pretende morar na cidade. Mas quando o assunto é turismo as coisas mudam. Todo passeio para turista acaba saindo muito caro. Os restaurantes famosos que sai na revista de viagem então, meu deus! O mais absurdo que achei foi o África Café. Tentei ir, mas desisti na porta quando soube que não poderia ir para petiscar ou tomar um drinque. Como o restaurante estava lotado demais só recebiam pessoas para jantar. ZAR 225 por pessoa. Até o Waterfront, ex cais revitalizado com bares, lojas, shopping e restaurantes é mais democrático. De vez em quando se pode assistir a uma apresentação de música de graça no anfiteatro.


3 – Observatory é um bairro mais alternativo e fica bem próximo da Universidade. Muito estudante mora lá e a arquitetura antiga das casas segue um padrão similar. Outro dia fui até a rua que se diz badalada e achei bem sombria. Sexta-feira, às 22 horas, não me senti muito convidada a flanar pela rua e pular de bar em bar. Muitos fechados (inclusive o famoso bar dos brasileiros que aos sábados toca samba e servem feijoada). Vale o passeio durante o dia ou quem sabe num evento específico em um dos muitos bares que a rua tem. Talvez por aqui seja mais comum as “festinhas no AP”.
Greenmarket: feira no Centro de Cape Town

Um comentário:

  1. Devorei o blog todo, amiga! Textos muito gostosos e leves de ler :) Deu pra sentir um pouquinho dos ares e costumes africanos. Que experiência incrível, hein?
    Mas retome o blog, não pare na África não, ainda tem o mundo inteiro pra ser explorado e a cidade onde vc tá tbm é quase um mundo à parte!
    Beijão!
    Carol Domingues

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