terça-feira, 27 de setembro de 2011

Reerguer é preciso!



“O povo de São Luís é um povo forte e batalhador. Devagarzinho nós vamos reconstruir tudo que a chuva levou, pedra sobre pedra!”, afirmou o aposentado João de Souza, olhando emocionado para a Capela das Mercês, completamente restaurada. Depois da grande enchente que inundou completamente São Luís do Paraitinga, em janeiro de 2010, os moradores presenciaram um momento importante no último domingo (25). A festa de inauguração da Capela das Mercês contou com a presença de centenas de moradores, mas o grande fuzuê mesmo veio da quantidade enorme de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que, inclusive, atrapalharam bastante a população que tentou escutar o pronunciamento de Dona Didi, moradora responsável por organizar a Festa do Divino Espírito Santo há quase 60 anos, grande defensora do patrimônio cultural da cidade. Ela esteve ao lado das autoridades que presidiram a cerimônia, como o bispo Dom Carmo; a prefeita Ana Lúcia Bilard, o presidente do Iphan Luiz Fernando de Almeida, e a Ministra da Cultura Ana de Hollanda.

O dia de comemoração trouxe aos olhos dos visitantes o sincretismo cultural da cidade que, habitualmente, se faz presente nas festividades desse povo. A procissão religiosa, os tambores do maracatu, a dança de fitas, as violas caipiras, tudo dividia o mesmo espaço da rua. Famílias, crianças, artistas e fiéis acompanharam – mesmo que do lado de fora – o ato simbólico: o corte da fita vermelha e a reabertura oficial da igreja. A ação marcou mais uma vitória do povo Luisiense. Porém, ainda falta.
Quem conheceu a cidade antes do incidente sabe o quanto ainda há a ser feito, embora reconheça o quanto já foi edificado. O brilho de tinta fresca nos casarões antigos contrasta com algumas ruínas que ainda evidenciam os rastros da enchente. A igreja matriz, por exemplo, não existe mais. Ruiu por inteiro. O sino e alguns santos foram resgatados e fincados no meio dos escombros. E todos os dias ele toca várias vezes ao dia, como se a igreja ainda estivesse ali. Mas vão reerguer com o mesmo empenho que tiveram em salvar todos os seus moradores. Apesar de a cidade ter submergido quase por completo, não morreu uma só pessoa em São Luís. A Capela das Mercês, que tem quase 200 anos, foi só o começo desse resgate histórico e cultural de São Luís do Paraitinga.

"Depois que a água baixou, a cidade fedia e o cenário era de guerra”, relembrou o professor Paulo Afonso Teixeira que, anualmente, leva os alunos de São Paulo à São Luís para conhecer um pouco da cultura caipira. “É muito bom ver a cidade se reconstruir com a participação do povo, com tanta força, amor e dedicação,” afirmou. Os depoimentos são fortes. Dona Didi falou em nome de todos os 10 mil habitantes de São Luís. “Isto é só o começo!”.




Fotos: Diogo Arakilian


terça-feira, 30 de agosto de 2011

Guia Por Onde Andei – Holbox e Isla Mujeres





Não se pode deixar de conhecer estas duas ilhotas hermosas que estão bem próximas uma da outra, nos arredores da divisa do mar do caribe com o mar do golfo. Pelicanos, flamingos, iguanas, arraias, tubarão baleia podem ser vistos por aí. Eu sugiro não tardar muito a visitar Holbox, pois diz a comunidade local e quem por lá vive que mais da metade da ilha, ou melhor, do banco de areia (são conceitos distintos geograficamente. A ilha é composta por uma formação rochosa e o banco de areia é somente areia. Por duas vezes Holbox já foi completamente coberta pelas águas do mar, quando passou um furacão no local. A última vez foi em 2005) já foi vendido para a mesma empresa que construiu aquele empreendimento nos Emirados Árabes, que uniu duas ilhas por uma super estrutura de hotel resort. O prazo para início das obras é 2016. Então, quem quiser conhecer um lugar especial, longe ainda do megalomaníaco do homem endinherado, corra! A sugestão para ficar é a Casa Maya José de Lima. Lá eu fui bem recebida e me acomodaram muito bem em um dormitório para 8 pessoas. Detalhe: em meados de agosto eu me encontrava sozinha no dormitório. A sensação era de estar sozinha em todo hostel/pousada. Isso foi meio sombrio, mas nada demais também. Paguei barato, fiquei praticamente num quarto privado gigante e fui muito bem tratada. Depois soube que o hostel mais pop era um que se chama Tribus. Ele tem mais convênios com outros hostels e acaba indicando para outros turistas. Visitei o local e tinha bem mais pessoas hospedadas. Vale a pena!

A vida noturna de Holbox se resume a uma pracinha com crianças brincando – nada raro no México – bons, mas muito bons mesmo, restaurantes. Come-se muito bem em Holbox. Do sushi à comida mexicana, mas sem pompa. Tudo com muita simplicidade e com o sossego da vida local sempre prevalecendo sobre os turistas que aí chegam.

PS: Foto do tubarão baleia nadando com a mulher de vermelho foi retirada da internet. Não encontrei os créditos. A de baixo é minha, hehe!

O passeio mais famoso de Holbox nessa época é nadar com os tubarões baleias. Esta espécie de tubarão é herbívora e eles passam pela costa mexicana nos meses de julho, agosto e setembro. Se pode nadar calmamente ao lado deles, sem nenhum temor. Experiência incrível! Além da visita ao olho d´água que nasce no meio do manguezal. A Vegetação parece muito com as savanas africanas. Demais! Um olho d´água potável no meio do mar e num mangue (foto acima a direita).

Em Isla Mujeres a vibe é outra. A ilha é bem menor que o banco de areia, porém está toda povoada, de um lado a outro. Isla Mujeres está há 20 minutos do porto de Cancún, Puerto Juarez, por isso é muito mais visitada por turistas de toda parte. Entre a região turística e a parte sul da ilha estão bairros onde vivem a comunidade local, que vale a pena passar por lá de bike. Você cruza a ilha de uma ponta a outra numa pedalada de 40 minutos, faz snorkel no hotel Garrafão e depois relaxa nas águas claras que banham toda a ilha. Eu fiquei no mais antigo hostel da ilha: Poc-na. Aqui a pegada é outra: festa 24 horas, preços acessíveis e de mexicano aqui só os funcionários e olhe lá. Não tive tempo de buscar um lugar mais tranqüilo, mas estou segura de que se tem . Ao se afastar um pouco do centro, se pode ver a vida local tranquilamente, boas taquerias, cantinas com botanas de mariscos (1) e até apartamentos para alugar no bairro residencial. Achei um de $4.000 pesos por mês à beira do mar. Baratíssimo! Vale a pena para passar o mês.


Buraco da Fechadura

(1) As cantinas realmente tradicionais no México sempre vendem cervejas e dão gratuitamente o acompanhamento. Isso mesmo, você bebe cerveja e o tira-gosto é de graça. Fui numa que se pagava $16 pesos a long neck e vinha caldo de siri, ceviche, arroz de camarão, peixe frito, tudo de graça. Impressionante! Acreditem, foi o melhor lugar de Isla que visitei. Ainda tinha um tecladinho com um cantante bem brega. Adoro! Se duvidar, foi o melhor lugar de todos, das férias inteira. O problema é que eu esqueci o nome do lugar. Hehehe! Mas não é difícil encontrar. Perguntem no hostel Poc-na por uma cantina bem tradicional que eles vão te indicar esta. Não está longe do hostel. Por incrível que pareça, fica no centro turístico. Imagina se eu fosse procurar aquelas que devem ter no bairro residencial. Meu Deus, preciso voltar neste lugar, urgente. Fiquei na vontade. Foram só dois dias.

(2) Serviço: Em Holbox – Casa Maya José Lima. Situado na beira da praia. Rua Guaya, 33. Dormitório coletivo: $80 pesos. Contato:+52 998 8924144. Escritório em Mérida: +52 01 (984) 875 2428. Vale a pena também ficar no Tribu, se você gosta de algo mais movimentado. Av. Pedro Joaquim Coldwell, mz 19, lote 6. Contato: +52 01 984 8752507.

Em Isla Mujeres – Poc-na Hostel. Av. Matamoros, 15. Contato: +52 01 998 877 0090 e info@pocna.com. Dormitório coletivo: $ 120 pesos. www.pocna.com. Em Isla vale procurar apartamentos para alugar na zona residencial para longas temporadas. Imagino que possa ter lugares mais interessantes do ponto de vista da cultura local que o Poc-na, embora eu tenha me divertido bastante por lá. Tudo depende do seu objetivo e do tempo disponível.



Los Voladores en mera ruína al mar!



Seu Quirino é um homem forte. Aos 56 anos, voa leve como um pássaro. Leva a tradição veracruzana no corpo quando veste seu traje de volador e gira de pernas para o ar em torno do el palo volador, há mais de 30 anos. Pousou em Tulum há 6 anos. “Mas o governo não ajuda nem apóia o nosso trabalho em nada. Todo dinheiro que conseguimos é da gorjeta turística”, conta. Seu Quirino deixou Vera Cruz, alugou uma casinha no povoado de Tulum junto com outros colegas e hoje se apresenta de 10 a 14 vezes por dia em frente a entrada da zona arqueológica de Tulum, única ruína maia nas margens do Caribe (1). O pão de cada dia é tirado daí, de turistas que vão passando e deixam uma moeda. O número de transeuntes que por ali passam é enorme, pois além de ser a entrada da ruína, é o ponto de encontro dos transportes que levam grupos para os parques naturais de Xcaret e Xel-Há ( estes parques cobram U$ 90 por pessoa para um dia de diversão com all include). Acredita-se que o ritual é pré-hispanico e estava associado a cerimônia de uma boa colheita. Nas festas de santo da cidade ainda se realiza o ritual com este intuito, mas por muitos lugares do México ele é feito somente para colorir os olhares de quem passa e as fotos dos turistas.




Antes dos cinco voladores escalarem o pau de 30 metros, eles tocam flauta e um tamborzinho, anunciando o início do ritual. Sobem, amarram-se, preparam-se. Um se finca no topo e continua tocando os instrumentos. Os outros 4 caem em movimentos circulares enquanto as cordas se desenrolas da cintura e das pernas. De fato, eles voam, vagarosamente, leves como pássaros. (vídeo)


Buraco da Fechadura

(1) A ruína de Tulum não impressiona pela exuberância das construções pré-hispanicas, mas por elas situarem-se num penhasco, à beira do mar caribenho. Sem dúvidas, foi a ruína que mais me comoveu. Sem falar nas histórias místicas que rondam a região. Onde tem uma ruína, tem um monte de histórias. Jamie, a italiana que gerencia a Playa esperanza, conta, com toda convicção do mundo, porque Tulum há muitos anos não é atingido por um furacão de frente. “É a magia de lugar. Por que vocês acham que os maias construíram a cidade deles aqui? Desde que cheguei em Tulum, dia 1º de janeiro de 2009, já recebemos alerta de 8 furacões e nenhum atingiu nossa praia de frente. Todos passaram por fora de Tulum. Eu já vi esse mar alto, o céu completamente preto, uma chuva sem fim, mas ao final, os furacões sempre se desviam.”








PS: Vídeo e fotos dos Voladores de Maíra Castanheiro

O caribe pode ser econômico sim!



Todo aquele estereótipo construído pela mídia sobre o Caribe faz, em parte, algum sentido sim. Os mitos se comprovam. A areia branquíssima não esquenta, a água translúcida não esfria e o sol raras vezes se esconde nestes meses de agosto e setembro (também quando se esconde dá espaço para os não tão singelos furacões, comuns na região). Mas raras vezes se fala sobre as civilizações maias que ali habitaram e sobre as possibilidades econômicas de estadia. O Caribe mexicano é também parte da cultura daquele país e não se pode fechar os olhos para o apartheid que muitas vezes se implanta ali, entre a invasão turística e a população local, que pouco conseguiu preservar suas tradições na costa do estado de Quintana Roo. Muitos deixaram o litoral, outros se moldaram aos novos tipos de serviços ofertados pelos grandes investimentos como hotéis, restaurantes e parques de lazer. Outros vilarejos ainda resistem, mantém-se como comunidade pesqueira. É o caso de Punta Allen, localizado ao sul de Tulum, na península de Boca Paila, na Reserva Sian Ka´na Biosfera. Neste lugarejo eu não fui.

Mas muitos me falaram e acredito que vale a pena uma parada neste pico, já que as recomendações vieram de pessoas que sabiam o que eu procurava: sossego e natureza. Cheguei no Caribe por Tulum e de lá foi difícil sair. Foram 12 dias numa cabana na beira da praia. Pé na areia 24 horas. Muito sossego. Redes no meio do coqueiral, água de coco, churrasco, cerveja, alguns churros e conversa fiada com quem passava. Italianos, franceses, espanhóis, mexicanos, israelitas (estes sim, estão por toda parte). No período em que me hospedei na Playa esperanza (1) não passou nenhum gringo (eles devem preferir os resorts de Cancún).

Em 25 passos eu já estava no mar (ver a foto tirada da janela da minha cabana). Por isso tardei tanto em me mover mais que o necessário para comer, tomar banho de mar, deitar nas redes e tirar um cochilo na praia. Um dia joguei volley com a turma da Playa Esperanza, mas foi o máximo de esforço que fiz. Ah, também nadei um pouco, fazendo snorkel na barreira de corais situada há algunsmetros da minha cabana, na praia Paraíso. Descobri uma maravilha do Caribe que nunca tinha escutado falar: os cenotes. É uma espécie de grutas de calcário com água transparente e potável surgindo do solo, formando grandes piscinas naturais. Aqui a água é mais fria que no mar. Bom para se refrescar do calor sufocante de Tulum.



Da máquina de costura ao mar


No mesmo espaço onde se alugam as cabanas Playa Esperanza funciona uma escolinha de Kitesurf, Extreme Control. O dono é italiano e há 5 anos treinou Roberto para ser instrutor do seu negócio. O mexicano negro, de traços indígenas fortes, se adaptou bem a nova vida na beira da praia. Embora sinta falta do seu povoado, não pensa em retornar tão cedo. O mar se tornou lugar de energia vital, assim como sua maior fonte de renda. “Eu sou descendente maia”, assegura. Dzitox, seu povoado, pertence ao município de Valladolid, situada há 100km de Tulum. Além da língua maia, fala espanhol e inglês. Esta última aprendeu para dar aulas de Kite. Hoje mora em Tulum. Mas para viver com o pé na areia e tirar um bom salário, deu muito duro até abraçar o mar caribenho. Roberto tem 25 e antes de decidir descer para a praia, trabalhava numa fábrica em Valladolid. Disse que aprendeu a manusear máquinas de costuras com certa habilidade, mas ganhava somente um peso por peça costurada e não conseguia tirar mais que 800 pesos por mês. Durou pouco no emprego. Foi quando decidiu ir a Tulum. Começou trabalhando em hotéis, restaurantes, até conhecer Marcos e começar como assistente de instrutor de kite. Hoje domina a técnica e já é um deles. Na ausência do dono (2), cuida do ponto e organiza a rotatividade dos instrutores da escolinha. São 4 no total. “Cada instrutor tem a sua vez. Há uma rotatividade para todos se beneficiarem”, explica o jovem. Atualmente, chega a ganhar 10 mil pesos por mês, comissão mais o fixo. Logo que veio morar em Tulum, há 6 anos, lembra-se de situações engraçadas: “Eu lembro quando eu vi pela primeira vez as pessoas andando na praia com esses fones no ouvido. Eu não entendia, não sabia o que era. Foi engraçado!”


Buraco da Fechadura

Guia Por Onde Andei - Tulum

(1) Serviço: Cabanas, camping e redes para alugar. Playa Esperanza: situada na Praia Paraíso, Tulum. Cabana: 350 pesos para 2 pessoas. Rede e camping: 50 pesos por pessoa. Falar com Jamie (foto). Contatos: +52 19841453652 e jamie_luraschi@hotmail.com

(2) Geralmente quando Marcos não está em Tulum, está praticando Kitesurf em Jericoacoara. Ele estava indo para a terrinha em 15 dias. Não acreditou quando soube que eu era cearense e sempre ia por lá. “É raro vir cearenses por aqui”, disse. Em toda a viagem pelo México, foi a primeira vez que a Bahia e o Rio de Janeiro não foi o alvo dos holofotes estrangeiros no que diz respeito a Brasil. Em se tratando de esportes de vento, de fato, como Jeri não tem igual. Dale Ceará!


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Rei Pakal ainda vive




Palenque é um mundo mágico. Ainda que se passe pouco tempo por lá, é muito improvável sair como se chegou. Em três dias encontrei a reencarnação de Pakal, um curandeiro de 9 anos (1) e um sítio arqueológico incrível, que ainda sussurra baixinho vozes e histórias de uma civilização que durante três anos teve uma mulher como rainha, a Senhora Quetzal Blanco, antes de passar o trono para o filho, o famoso Pakal. Graças ao grande número de hieróglifos encontrados nas escavações arqueológicas de Palenque, iniciadas em 1773, é que se sabe tanto desta civilização maia que teve seu apogeu entre 600 e 800 d.c, onde viveram em torno de 50 mil pessoas. O Templo das Inscrições é a pirâmide mais importante da cidade, além da mais alta, tendo sido nela encontrada a tumba do rei Pakal. O corpo de Pakal esteve intacto por um milênio, quando então foi descoberto em 1952, por arqueólogos mexicanos. Infelizmente a tumba é fechada para visitação – também não sei se teria estômago para vê-la de tão perto – mas a reconstituição que foi feita para o Museu Nacional de Antropologia, situado no Distrito Federal, está impressionante. Encontraram o corpo de Pakal coberto com um mineral vermelho, tóxico, chamado Cinábrio, adornado com inúmeros objetos de jade. O sarcófago estava cheio de pedras preciosas. A máscara que cobria o crânio continha mais de 200 pedras de jades polidas e perfeitamente encaixadas na forma do rosto do governante. Nas mãos e braços, portava anéis e braceletes de jade, todos ainda incrivelmente conservados. A cor verde da pedra simboliza sua relação com a colheita do milho, o produto mais importante para as civilizações maias.

E no meio de todas estas minhas descobertas da misteriosa Palenque, encontro um cidadão de nome Pakal. Quando se apresentou, dei uma risada e lhe perguntei se era nome ou apelido místico. Então ele começou sua história. Disse que sua bisavó era bruxa e morava na região das ruínas de Palenque quando os primeiros arqueólogos chegaram e evacuaram a área para iniciar os estudos. Então, desalojada, teve os filhos ainda no México. Mas por difundir histórias e conhecimentos que às vezes não condiziam com as pesquisas oficiais da região, teve que fugir para os EUA. Ele nasceu na Califórnia e recebeu a alcunha de Pakal em homenagem a grande figura de Palenque. Segundo seus pais, ele seria a própria reencarnação do governante. Mas logo a família se mudou para o Senegal. De lá morou na Etiópia também. Acabou voltando para o México. Estudou arqueologia na UNAM. Dizia que estava ali pesquisando. “Sempre que entro no Templo das Inscrições e me ajoelho diante da tumba do rei choro descontroladamente. É algo maior que eu”. No final da conversa, me propôs um passeio. Queria me levar para conhecer a árvore que o rei descansava. Disse que era uma trilha de 40 minutos, mas que eu sentiria uma energia única. Ele mais me parecia um maluco de estrada, mas também não duvidei. Acabei não aceitando o convite. O arrependimento bateu forte depois.


Buraco da Fechadura

(1) Juanito tem 9 anos e apareceu cheio de energia no meio do café da manhã para nos ensinar tudo de medicina natural que tinha aprendido com seu falecido avô. Começou a falar e a mostrar folhas, sementes e frutos, todos curativos de alguma enfermidade humana. Não sossegou até levar uma bronca da mãe dizendo para ele ir estudar história e deixar os turistas tomar café em paz. Dissemos a senhora que nos preparava o café que ele não estava atrapalhando e ele ainda ficou mais uns minutos falando de seus conhecimentos naturais. Ao final, minha amiga Maíra muito impressionada com as propriedades de uma determinada planta lá que, segundo Juanito, curava diabetes e até câncer, exclamou: “Puxa, mas essa planta é milagrosa!” Ele respondeu ligeiro: “Milagrosa não, ela é curativa.” E saiu com seu livro de História do México com as imagens de Pancho Vila e Emiliano Zapata na capa, obedecendo a ordem de sua mãe. “Esse aí para aprender as coisas que não estão no livro é rapidinho, mas as coisas da escola é um problema!”

(2) Em Palenque se come e dorme bem e barato. Fiquei num quarto privado com banheiro compartido e paguei somente $100. Indico a região El Panchán para ficar, bem na entrada da zona arqueológica de Palenque. Cabanas Jungle Palace. Dentro desse reduto de maluco tem várias cabanas com bons preços e alguns restaurantes para servir a comunidade de viajantes cult-bacaninhas que se amontoaram na região. O restaurante Don Mucho é o lugar certo para o rango. Serviço de qualidade, comida boa e preços baratíssimos, além de uma variedade enorme no cardápio. A noite tem shows e apresentações de malabaris no local.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Guia Por onde Andei - Lacanjá Chansayab









Para visitar as deslumbrantes e magnifícas ruínas de Yaxchilan (1) e Bonampak (2) não caiam no conto da carochinha de que é melhor pagar um tour de Palenque. Não é verdade. Vale a pena uma parada na graciosa vila de Lacanjá Chansayab (3). Ela fica exatamente no meio entre as duas ruínas e você ainda conhece o povoado indígena que deu nome a maior selva do México, os Lacandones. Há mais de 20 anos a comunidade já recebe turistas, porém, deixam claro a relação peculiar com os mesmos. Sob um ejido extremamente organizado, os Lacandones são coerentes em suas atitudes frente ao turismo que há na região. Os descendentes mayas plantam, cuidam da terra, reciclam o lixo e preservam os trajes brancos que desde muito tempo se usava na região. Fotografias, só com autorização. Conversam somente o necessário. Não demonstram nenhum interesse em trocas de conhecimento. Cuidam do espaço e daquilo que a natureza lhes presenteou de maneira exemplar. Se dividem em grupos familiares, chamados de campamentos. Nos arredores da comunidade, cachoeira e riachos fazem a alegria da criançada que tampouco parecem aceitar de maneira suave a presença estranha dos estrangeiros. São cabanas na beira do rio, encrustrada no verde da selva húmida e quente de Chiapas. Ficamos no campamento de Vicente Paniáguas. Mas a indicação local vai para as mãos de fada da cozinheira Nuk e seu marido Chankin. Sempre com a presença do filho Es, preparam uma autêntica comida mexicana de qualidade a preço justíssimo, 55 pesos. O restaurante está no campamento de Enrique Paniáguas. Tudo é preparado na hora, saindo com gostinho de comida fresca .


Buraco da Fechadura



1 - Descoberta em 1882, Yaxchilan foi a maior ruína que conheci nesta viagem e de acesso mais difícil. Depois de alguns coletivos e uma hora de barco se chega na exuberante cidade perdida no meio da selva. Para visitar todas as edificações que estão disponíveis são necessárias trilhas de 15 a 20 minutos e muita disposição, devido ao terreno sinuoso. Entre as construções, se vê macacos, iguanas e tucanos. Ao caminhar pelas edificações, ouve-se os grunidos dos gorilas tão alto que é fácil confundi-los com jaguares, animal tão citado entre as civilizações maias, símbolo de força e poder. Mas não. São só macacos. Os sustos na selva são comuns quando se passeia por ruínas de mais de séculos e com histórias ainda tão misteriosas. O apogeu de Yaxchilán foi durante o longo reinado do rei Escudo Jaguar II, em 742.


2 - O mais impressionante de Bonampak sãos as inscrições coloridas. Incrivelmente preservadas, se pode ver detalhes dos desenhos em cores fortes no interior das edificações. As estelas também estão bem claras.

3 - Lacanjá Chansayab se localiza há 188km de Palenque. Indo pela estrada Federal 199, dobra-se no cruzeiro de San Javier, percorrendo-se mais 13km. A foto do lacandon Vicente Paniáguas em frente a árvore centenária não é minha. Retirei da internet. Foto de Rosa Ripoll.




domingo, 7 de agosto de 2011

Guia Por Onde Andei – Loma Bonita


Cascadas Las Nubes: Na real mesmo eu fiquei no povoado de Las Nubes, mas não valeu a pena. Para chegar aí, não faltam informações e indicações na pista. Mas o ouro mesmo está em Loma Bonita. Depois que você já está diante da queda principal no centro ecoturístico de Las Nubes, você cruza a cachoeira pela ponte e faz a trilha de 25 minutos que inicia a esquerda, descendo o rio. Pela estrada principal que contorna a selva lancadona - que sai de Comitán Dominguez e vai até Palenque, pede-se para descer no município de Maravilla Tenejapa. Daí pega-se uma condução até Loma Bonita. Se preferir, peça para o motorista da primeira condução lhe deixar no próprio cruzamento que sai da estrada principal e segue direto para Loma Bonita, você tomará a mesma condução vinda de Maravilla Tenejapa, só que esperará na estrada.

A cachoeira é conhecida como Las Nubes, mas o povoado que sabe acolher mesmo fica um pouquinho mais em baixo. Conheci Loma Bonita totalmente por acaso. Como em Las Nubes (onde estávamos acampados, porque as cabanas eram caríssimas) todo o vilarejo é testemunha de Jeová e não se pode vender cerveja nem cigarros. Eu, Maíra e Nuno fomos buscar umas chelas (1) nos arredores e nos deparamos com a incrível Loma Bonita. O povoado está também aos pés do mesmo rio de Las Nubes, só que mais em baixo. Formam-se praias incríveis, com pouca correnteza e com vista para outras quedas impressionantes.

Percebe-se claramente que os dois povoados não se dão bem. Em Las Nubes todos dizem que não existe mais nada depois da ponte (2), colocam inclusive cartazes no início da trilha dizendo ‘Não Passe!’. Quando chegamos em Loma Bonita, o depoimento de Aron e Rosier Morales nos fizeram entender melhor a situação. Faz 10 anos que a cooperativa de Las Nubes tem o mesmo presidente e o centro ecoturístico não é nada justo com os preços, nem possui serviços de qualidade. Ou seja, caro e ruim – apesar da beleza natural arrepiar o juízo de qualquer um. Mas em Loma Bonita não está diferente em beleza natural, afinal, é o mesmo lugar, só que um pouco mais abaixo do rio e possui pessoas muito mais buena onda. As cabanas de Rosier e Aron estarão prontas no final do ano, em dezembro. Situadas a 100 metros das praias de rio e a 10 minutos de trilha de lugares exuberantes para ver o túnel natural que a queda de Las Nubes passa antes de chegar nas praias, todas elas terão cozinhas e estarão disponíveis a preços justos. Ele nos recebeu com energia muita boa. Disseram que ali se podia beber cerveja sem problemas e provaram com simpatia, a receptividade do povo de Loma Bonita.


Tão longe de Deus e tão perto dos EUA

Por aqui não é raro conversar com alguém que já foi nas terras gringas para trabalhar e voltar para casa com um dinheiro a mais no bolso. Em uma prosa descompromissada Aron e Rosier, primos que agora puxam o empreendimento de Loma Bonita, nos contou de suas experiências. Tudo aquilo que sempre vi em filmes, aqui é comum. Sempre tem um agricultor, taxista, garçom que já cruzou o deserto de Chihuahua. Os primos ficaram por lá 3 anos. Mas agora só querem saber de Loma Bonita. Não se arrependem, juntaram dinheiro e agora querem fazer da vila mais um lugar interessante para visitantes e turistas. O percurso de Aron foi um pouco mais longo que o de Rosier. Um, tardou 6 dias; o outro 2 dias e uma noite. O investimento é grande. Aron pagou U$ 1.800 a um coitote (3) do estado de Sonora para levá-lo até o ponto estratégico de onde se inicia as caminhadas – leia-se fuga. São 5 litros de água por pessoa, alguns aromatizantes de suco em pó e muita coragem. “Eu tive sorte, o coiote que me levou não me assaltou, não fez nada. Tenho amigos que sofreram muito antes de começar a cruzar o deserto”. Caminham de noite e se escondem de dia em buracos feitos pelos próprios imigrantes no meio do deserto para se esconderem dos militares americanos. Depois que acaba a água, a estratégia é seguir o gado e tomar a água que eles encontram. “Geralmente é pouca e bastante suja, mas colocamos o pó aromatizante e dá para beber.” Sem muito medo, Aron falou sobre as caveiras e os ossos que encontrou no meio do caminho. “São ossos humanos daqueles que por ali passaram e morreram de fome, de sede, ou mesmo envenenado. Tem muitas cobras no deserto. É muito perigoso. Se você for picado por uma, não tem como sobreviver.” Mas Aron conseguiu chegar do outro lado, na terra prometida, e por lá ficou 3 anos. Foi encontrar o primo que já trabalhava lá como motorista e se virou bem. Juntou dinheiro e voltou para Loma Bonita. Agora só quer saber de terminar as cabanas na beira da praia de rio.

Buraco da Fechadura

(1) Chelas são nossas cervas. Depois de muitas, a noite fica um desmadre!

(2) Do outro lado da ponte, onde a comunidade de Las Nubes já não deveria mais apitar, encontrei uma senhora que vendia frutas, trazidas de outro povoado mais acima do rio. “Eles não gostam quando a gente vem vender frutas aqui. Mas a gente sabe que os turistas gostam e aqui já faz parte da área do meu povoado.” Foi ela inclusive que nos indicou Loma Bonita para comprar cerveja e cigarros. Ela estava apreensiva porque seu filho tinha ido acompanhar uns turistas pela mata e a angústia das mães ali na selva é grande quando se fala em gringos americanos por perto. Mais uma cena de filme. É comum o desaparecimento de crianças na região raptadas por gringos americanos que as levam para o tráfico de órgãos. “Semana passada desapareceu uma criança, foram pegar o gringo lá na frente, já na estrada, fugindo com o menino.”

(3) Os coiotes são mexicanos geralmente ligados ao narcotráfico que controlam o trânsito de imigrantes. Às vezes ajudam, às vezes exploram, às vezes se aproveitam de mulheres, às vezes muitas coisas...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Guia Por Onde Andei - Tziscao


Lagos Montebello: O parque é composto por 59 lagos completamente preservados, limpos e deslumbrantes, administrados pelos moradores da região que já tiveram que brigar com muitos gringos para que as terras dos arredores não fossem vendidas para os pinches (1)estrangeiros. Livre de resorts e do assédio turístico agressivo, a região é preciosa e vale ser explorada de uma maneira mais intensa. As agencias tradicionais de turismo só oferecem o tour saindo de San Cristóbal, em um passeio de um turno, passando rapidamente por somente 5 lagos. A dica é livrar-se das agências e fazer sua própria rota, ficando nas cabanas que os vilarejos oferecem, fazendo passeios com os próprios moradores que tem caminhonetes e te dão um serviço exclusivo, visitando os lagos que desejar. E, acreditem, sai bem mais em conta que pagar a agência e fazer tudo correndo, sem poder nem nadar nas piscinas naturais. A parada certa é Tziscao, vilarejo dentro do parque, que também dá nome a um dos lagos, na fronteira com a Guatemala. Vá de San Cristóbal à Comitan e pegue uma topic para a região dos Lagos de Montebello. Peça para descer na vila de Tziscao. No meio do caminho, vale um desvio de 9km para a ruína de Tenam Puente.

Quem nos recebeu foi Hector Morales Spinoza. O vilarejo tem aproximadamente 15 moradores que alugam cabanas. A de Hector fica na rua principal, cerca de 600m do lago Tzicao, 1km do Lago Internacional e 1,5 do Lago Chuj Kuichayil (pescado negro). Sem dúvida, foi um dos melhores lugares da viagem até agora. Ficamos 3 noites e 4 dias na região. A família de Hector nos recebeu com muito carinho, cedeu a cozinha para prepararmos nossa própria comida e dividiu um pouco do cotidiano deles conosco. O quarto para 3 pessoas com banheiro privado nos saiu a 400 pesos (dividam por 7 e vejam quanto sai em real), mas na última noite pedimos um desconto e ele fez a 300, 100 pesos por pessoa. Ele tem uma caminhonete e dois filhos. A esposa vende artesanato. Também por 400 pesos, ele nos proporcionou um dia incrível, passando por vários lagos e uma visita guiada à ruína de Chinkultik. Um de seus filhos, Aran (2), nos acompanhou nessa jornada e em outros passeios também, fazendo crescer nossa empatia pelo lugar e pela receptividade da família.

Sem falar nas histórias de quem nasceu, cresceu e viveu ali. Hector é um contator de estórias. Numa noite qualquer, enquanto conversávamos depois do jantar, nos contou sobre incidentes que ocorreram no vilarejo logo depois da insurgência zapatista, de 1994. Disse que "andavam em bandos, dizendo que vinham em nome do comandante Marcos, saqueavam nossas casas, tiravam nossas comidas, nossa colheita, tudo em nome da revolução. Mas não demorou muito para a gente entender que eram puros ladrões. Não estavam em nome do comandante Marcos coisa nenhuma. Ladrões que se utilizaram da revolução para se aproveitarem". Segundo ele, hoje a situação já está bem tranquila. Tanto no vilarejo, quanto nos arredores. "Depois de 94, se conseguiu muita coisa para os povos indígenas que viviam em situação dificil. Tem povoados aí que não tem nem estrada para chegar lá, era bem complicada a situação, mas Marcos conseguiu muita coisa. Foi construído um hospital indígena recentemente, perto de Las Nubes."

SERVIÇO: Cabañas del Centro Tziscao. Hector Morales Espinoza. Contato:+52 963 56 5 13 95


Buraco da Fechadura

(1) Pinche é uma expressão bem dificil de traduzir. Em geral é um xingamento, principalmente se vem acompanhada de pendejo na sequência. Ainda que pendejo possa ser usado como um cumprimento entre amigos íntimos. Enfim, acho que vou parar de tentar explicar estas expressões. Estão me saindo muito 'meia boca'.

(2) Como já disse antes, no México as crianças dominam o pedaço. Estão por toda parte. Em Tziscao tem alguns poetas mirins. Aran recitou um quando fomos nadar no lago que seu pai lhe levava para pescar. Ele e seus colegas adoram poesia.

Atrás de mi casa,

pasa sangre de conejo,

donde pasa mi novia,

no pasa ningún pendejo!

Tinha aprendido com o irmão. Outro dia no mercadinho, um pequenino também me parou, perguntou o meu nome e recitou um poema com Raquel. Muito amáveis são as crianças de Tziscao. Nosso contato com a comunidade foi tão bacana que me motivei a dar uma aula de capoeira para a molecada. A primeira da minha vida, vale ressaltar, mas foi incrivelmente gratificante e envolvente.

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